Informações a respeito de SERAFIM ANTUNES PORCIÚNCULA,
sua idade, local onde vivia, sua profissão etc.
2. "QUEM FORA QUE TE ACONSELHOU A SE APRESENTAR A ESTE JUÍZO?": homicídio, fuga e denúncia[1]
Em Rio Grande no ano de 1857, no Distrito de Nossa Senhora de Taim, uma escrava crioula chamada Leopoldina conheceu a morte. A dita escrava, preta, com 27 anos, pertencia a Serafim Antunes Porciúncula , 46 anos, casado, lavrador. A notícia da morte da preta chegou ao Juízo Municipal de Rio Grande, pela voz de três escravos do mesmo senhor: Pedro, João e Joãozinho. Os três alegaram que fugiram para comunicar que a parceira foi morta e também por medo de terem o dito fim. O delegado ouvindo a queixa lavrou um documento ao Cartório Júri para interrogar os escravos. Enquanto isso os denunciantes, ficaram presos na cadeia municipal. Ao se proceder a leitura dos interrogatórios, percebe-se que os escravos são informantes, não só do crime, mas de seu universo, de suas visões de mundo, e das suas relações com o senhor e a sociedade.
A primeira pergunta feita ao preto João foi correspondente aos seus dados pessoais. Nome, idade, naturalidade, estado civil, profissão. O que ele respondeu ter 24 anos, ser solteiro, campeiro e natural da Bahia. Depois disso, as perguntas são especificamente sobre o processo que se instaura. Ao serem interrogados sobre o motivo de sua fugida para essa cidade os três afirmaram igualmente "em conseqüência da morte que seu senhor fez na sua parceira de nome Leopoldina e receando que ele fizesse o mesmo nele interrogado". Sabendo o motivo, o juiz perguntou-lhe: "quem fora que te aconselhou que viesse apresentar a este juízo?". Respondeu que foi um homem chamado Manduca Carolino, morador no Curral Grande. No desenrolar do processo, ficamos sabendo que o preto João foi enviado para buscar medicamentos com o curandeiro José Firmino de Almeida. Nessa ida, ele comunicou ao tal Manduca tudo o que ocorrera na casa do senhor: "que a senhora e o senhor deram pancadas na cabeça e no corpo da preta Leopoldina, e ela caindo no chão quebrou a cabeça e morreu". Manduca Carolino então o aconselhou a se apresentar à Justiça da cidade de Rio Grande e dar queixa de seu senhor. Depois dos três escravos serem interrogados, o delegado de Rio Grande enviou uma carta ao sub-delegado de Taim dizendo:
"Ontem pelo meio dia apresentaram-se três escravos de Serafim Antunes Porciúncula, morador nos Médanos, declarando-me que vinham procurar a proteção da polícia contra seu senhor que é um bárbaro com o qual não podiam viver; pois no dia 17 do mês passado pelas 7 horas da noite matara a cacete, como quem mata um cão, a escrava parceira deles de nome Leopoldina, a qual ele mesmo fez enterrar dentro de uma vala [...] Dando notícia disto a Vossa Senhoria espero que sirva dirigir-se à casa do referido Serafim e aí indagar o fato começando a verificar se ele tem ou teve alguma escrava de nome Leopoldina, se faleceu, de que enfermidade, em que dia, e onde foi sepultada. Designada a sepultura seguir-se à exumação e depois o corpo de delito, ouvindo Vossa Senhoria todas as pessoas da casa e da vizinhança a respeito do castigo bárbaro e morte da Leopoldina e em enfim procedendo a todas as mais diligências que forem necessárias para maior averiguação."
Chegando as mãos do subdelegado, foram à procura de Serafim, que se justificou com essas palavras: "na minha casa nunca se praticou semelhante atentado e se acaso assim acontecesse eu não estaria tão tranqüilo na minha casa por quanto conheço bem as leis de meu país, e nunca fui sanguinário e sou conhecido por todo o distrito, essa preta faleceu, como já declarei, de moléstia". Além disso, Serafim sabendo que foram seus escravos que o denunciaram disse: "os meus escravos é a segunda fugida que fazem e o Pedro já esteve na cadeia de Rio Grande [...] fugiram para se verem livres de trabalho na minha Estância."
Depois de terem inquirido a pessoa de Serafim, foram chamadas as testemunhas. O Inspetor Vasco José Pereira, que foi comunicado da morte da preta por ser responsável pelo quarteirão onde morava Serafim, é uma das testemunhas. Vasco disse ser primo de Serafim e que o mesmo é "bondoso e pacífico para seus escravos". A segunda testemunha é o curandeiro José Firmino de Almeida, que foi chamado pelo preto para medicar Leopoldina. Ele disse que a preta "há muito tempo estava doente e a visitei muitas vezes". Ao ser perguntado se ela tinha alguma contusão e pisadura, ele afirma que "a examinou muito bem e que ela não tinha ferimentos, que morreu de fluxo de sangue". Após José Firmino testemunhar, vem outro que se diz parente do dito réu. Ele também afirmou que "Serafim e sua mulher são muito bondosos e dão aos seus escravos muita liberdade". Bom, não esqueçamos de Manduca Carolino, o homem que aconselhou os escravos a denunciarem seu senhor. O juiz vendo que Manduca não testemunhara, lavrou um documento pedindo que o mesmo se apresentasse, contudo o sub-delegado de Taim afirmou: "Manduca Carolino se encontra no Estado Oriental e não poderá depor". No lugar do testemunho dele colocaram dois possíveis vizinhos de Serafim que "conhecem os senhores a 6 ou 7 anos e nunca assistiu, viu ou ouviu dizer que eles fizessem tais castigos". Foi concluído então que o processo era improcedente por faltas de provas.
Ora. Manduca Carolino parecia o único a não pertencer a essa rede de relações de homens livres de Taim. Apesar do delegado de Rio Grande dar todas as instruções ao subdelegado, a testemunha principal que poderia trazer elementos que comprovassem a denuncia dos pretos, não pôde depor. Os três escravos de Serafim Antunes da Porciúncula foram entregues a ele no final dos interrogatórios. Através de um procurador bastante que disse: "mandem entregar os mesmos escravos que se acham depositados na cadeia civil dessa cidade ao senhor".
As últimas décadas da instituição escravista foram marcadas pelo processo de desagregação do sistema escravista. Segundo Machado (1987:9), "desgastar a dominação senhorial, onerá-la em sua amplitude e limitá-la através de resistências e confrontos revelaram-se como atos conseqüentes, pois permitiam aos escravos forjar, simultaneamente, espaços de sobrevivência e vida autônomas".
Fontes: http://www.apers.rs.gov.br/portal/index.php?menu=artigodet&cod=52
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